10/07/2018
A expansão das modernas tecnologias de informação e comunicação no agronegócio, considerando-se tanto a pecuária como a agricultura, é uma realidade no mundo. E, segundo especialistas do setor, a agricultura de precisão se desenvolveu muito nas últimas décadas no Brasil e, ao mesmo tempo, trouxe vários desafios.
Sobre este assunto, entrevistamos com exclusividade para o Portal da ABES, Gustavo Marques Mostaço, mestre em Engenharia Agrícola e doutorando em Engenharia da Computação, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Ele integrou o grupo brasileiro que apresentou propostas na Comissão de Estudos sobre IoT and Smart Cities, durante evento realizado no Egito em maio passado pela UIT - União Internacional de Telecomunicações (ITU - International Telecomunications Union, em inglês), a agência especializada das Nações Unidas para as tecnologias de informação e comunicação (TICs).
Mostaço participou das atividades remotamente, sempre alinhado com os demais membros do grupo, formado por João Alexandre Zanon e Rodrigo Santana dos Santos, ambos da Anatel, e Werter Padilha, coordenador do Comitê de IoT da ABES, que estiveram presencialmente na comissão.
Na entrevista, Mostaço analisa a evolução da Agricultura de Precisão (AP) em nosso país e detalha a proposta apresenta à UIT para contribuir com a consolidação das Smart Farmings – o estado da arte na aplicação de tecnologias integradas para o agronegócio inteligente.
Como está, em sua avaliação, a implementação de tecnologias de agricultura de precisão no Brasil nas atividades de pecuária e agricultura?
A agricultura de precisão no Brasil se desenvolveu muito nas últimas décadas. Inicialmente, teve como foco a aplicação da tecnologia de GPS para referenciamento e posicionamento, desenvolvendo conceitos como a aplicação de insumos em taxas variáveis e Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Atualmente, os especialistas têm considerado a AP como um sistema de gestão da produção agrícola, no qual as tecnologias são desenvolvidas e aplicadas visando otimizar os sistemas agrícolas em sua totalidade e não apenas em algumas etapas do processo produtivo. Paralelamente, a Zootecnia de Precisão (ou Precision Livestock Farming) surgiu para lidar, inicialmente, com questões como a individualização de animais e o controle térmico do ambiente. Entretanto, agora, ela evoluiu para tratar de questões, tais como: alimentação e nutrição, melhoramento genético, saúde e bem-estar animal, tratamento de emissões e efluentes e, até mesmo, logística e rastreabilidade, envolvendo diversos stakeholders ao longo da cadeia de valor.
Quais são os principais desafios neste atual cenário?
Dentre os vários desafios vividos, atualmente, pela Agricultura e Zootecnia de Precisão, temos as dificuldades na integração entre as tecnologias propostas para solução de problemas isolados do agronegócio. Neste sentido, deve-se promover a integração do gerenciamento da fazenda com as máquinas e ativos, tendo-os como elementos atuadores e de insumo, respectivamente, trabalhando o panorama geral no sentido do controle e da automação de processos, como se faz no meio industrial. Vejo a Internet das Coisas (IoT) desempenhando papel fundamental neste processo por ser um agente habilitador da troca de informações de forma ampla e eficiente.
Finalmente, deve-se trabalhar no sentido de oferecer tecnologias atuais e conhecimentos especializados, auxiliando o agricultor a conectar-se a toda a cadeia de suprimentos da agricultura e da zootecnia. Possibilitar ainda, pela geração e organização sistemática de dados, a adoção de sistemas de Enterprise Resource Planning (ERP) e Business Intelligence (BI), ganhando percepções importantes sobre estoque, produção e distribuição de seus recursos, gerando com isso ganhos em planejamento de produção, produtividade, quantidade de produção, redução de perdas, conservação de água e por fim, um aumento do lucro para o agricultor. É possível ainda o emprego de dados gerados pelo poder público para o desenvolvimento de políticas agrícolas.
Qual o principal escopo da proposta levada pelo Brasil à UIT?
O principal escopo da nossa proposta foi o de sugerir um cenário no qual seja possível relacionar as modernas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) às necessidades de toda a cadeia de valor da pecuária, visando sempre a melhoria da produtividade e sustentabilidade na produção. Um exemplo disto é a utilização de tecnologias de Internet das Coisas (IoT), de forma a prover a cobertura total dos processos, coletando e transmitindo dados ao longo de toda a cadeia. À esta nova corrente, atribuímos o nome de Smart Livestock Farming ou Pecuária Inteligente, na qual se integram processos da Zootecnia de Precisão, Sistemas de Gestão da Informação (SGI), automação agrícola e robótica.
Como surgiu a ideia de apresentação desta proposta?
O primeiro contato foi realizado entre o Prof. Moacyr Martucci Jr., da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), e a Anatel, que permitiu a identificação da necessidade de criação dos padrões para aplicações de IoT em áreas rurais. Com isto, chegou-se à conclusão de que valeria a pena a elaboração de um documento a ser apresentado na reunião da UIT, no Cairo em maio deste ano. Para isso, criou-se um grupo de estudos na Poli-USP para dar continuidade às discussões e elaboração do documento. Foi então, que decidiu-se focar na pecuária, para tratar das necessidades de sistemas específicos para esta finalidade.
Quais instituições estão envolvidas?
Durante o processo de elaboração do documento, tivemos participação de diversos professores e pesquisadores aqui da Poli-USP, assim como da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” (UNESP).
Como foi a apresentação na UIT?
A defesa do documento e a participação nas discussões na UIT foram momentos muito importantes, pois a UIT desempenha um papel fundamental na padronização de telecomunicações em todo o mundo. Tive a oportunidade de participar das discussões remotamente, com o apoio lá no Egito da delegação brasileira, composta pelo Werter Padilha, da ABES, além do João Zanon e Rodrigo Santana, ambos da Anatel.
O conteúdo proposto em nosso documento despertou o interesse de diversas nações participantes no evento, independentemente de seu nível tecnológico ou de sua vocação agrícola, justamente por propor uma abordagem de sistematização para a agricultura e a pecuária, domínios muitas vezes mantidos em um segundo plano durante o desenvolvimento das TICs.
Recebemos apoio direto, inclusive durante as discussões, de instituições como o ETRI (Electronics and Telecommunications Research Institute), da Coréia do Sul, e do NCC (Nigerian Communications Commission), da Nigéria, além do interesse na participação do desenvolvimento futuro de países, como Inglaterra, Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Togo, Gambia e República do Congo. A proposta foi aprovada como item de trabalho e teremos a discussão do texto completo na reunião do SG20, na China, em dezembro próximo
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